Inicialmente, imperioso ressaltar que, muito embora o tema hovesse sido objeto do Recurso Representativo (RESP 1.061.530/RS), a Segunda Seção consderou impossível a apreciação da constitucionalidade da Medida Provisória nº 1.963-17/00 em sede de Recurso Especial, por não constituir via adequada para o exame de temas constitucionais, sob pena de caracterizar usurpação da competência do STF.
Ultrapassa registro pertinente, considerando que os efetios da capitalização de juros nas operações de crédito não são bem compreendidas pelos consumidores, tampouco devidamente explicados pelos operadores do mercado financeiro, resolvi aprimorar meu entendimento sobre a problemática atinente à capitalização, que exige acurada aálise acerca da qual me permito discorrer.
De início, faz-se necessário esclarecer que a prática de capitalização de juros - prática usual nas operações de matemática financeira consiste na contagem de juros ao capital - diverge do famigerado anatocismo.
O termo "capitalizar" per si consiste na adoção de juros ao capital, podendo ocorrer em qualquer periodicidade (mensal, bienal, trimestral, semestral, anual, etc). Desta feita, o simples recebimento dos juros pelo credor implica capitalização.
Nesse contexto, cabe, ainda, distinguir juros simples de juros compostos. Os primeiros incidem, apenas, sobre o principal corrigido monetariamente, isto é, não incidem sobre os juros acrescidos ao saldo devedor. Logo, os juros não pagos não constituem base de cálculo para incidência posterior de novos juros simples. Quanto aos segundos, incidem não, apenas, sobre o principal corrigido monetariamente, mas também sobre juros que já incidiram sobre o débito. Assim, o juro vencido e não pago é somado ao capital emprestado, formando montante sobre o qual se calculo juro seguinte.
Nessa seara jurídica, a chamada "capitalização" deve ocorrer na periodicidade considerada lícita. Caso contrário, ter-se-á contagem de juros sobre juros, o que significa cobrá-los antes que se tornem juros vencidos. Eis o conceito de anatocismo.
Vedada, portanto, a contagem de juros dos juros antes da periodicidade de capitalização legalmente admitida, ou seja, cobrar juros sobre parcela de juros que ainda não se venceu. Em conseqüência, tais juros não foram incorporados ao capital.
Assim a prática defesa é que evidencia a contagem de juros sobre juros não vencidos. O fato de se tratar de juros simples ou compostos, por si só , não leva, necessariamente, à ilação de que houve anatocismo.
A praxe jurídica acabou, todavia, mesclando os dois conceitos, mormente, em decorrência da Súmula 121 do STF.
Ainda no ordenamento jurídico pátrio, os juros devem obedecer os ditames da Lei de Usura, Decreto 22.626/33, artigo 4º.
A finalidade da norma concentra-se na repreensão ao anatocismo.
Mister tornar claro que o anatocismo somente é permitido em casos de lei específica, como na cédula rural, comercial ou industrial.
Também sobre a matéria, merecem comentários o artigo 5º, caput e parágrafo único, da Medida Provisória nº 1.963-17/00, cujo o teor reproduzido, in verbis:
“Art. 5º Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano.Parágrafo único. Sempre que necessário ou quando solicitado pelo devedor, a apuração do valor exato da obrigação, ou de seu saldo devedor, será feita pelo credor por meio de planilha de cálculo que evidencie de modo claro, preciso e de fácil entendimento e compreensão, o valor principal da dívida, seus encargos e despesas contratuais, a parcela de juros e os critérios de sua incidência, a parcela correspondente a multas e demais penalidades contratuais.”
Tal normativo, além de não ser lei em sentido estrito, apresenta, a meu aviso, constitucionalidade questionável, na medida em que o artigo 192 da Carta Política de 1988 determina depender o Sistema Financeiro Nacional de lei complementar que o regule, não estando sujeito, portanto, à disciplina legal por meio de medida provisória (art. 62, § 1º, III, da CF/88). Ademais, a referida capitalização, nesse caso, não se aplica a qualquer operação financeira.
No Excelso Pretório, quatro ministros – Min. Sidney Sanches, Min. Carlos Velloso, Min. Marco Aurélio e Min. Carlos Ayres Britto – deferiram o pedido de liminar nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.316/DF, para suspender a eficácia no art. 5º, cabeça e parágrafo único, da Medida Provisória nº 2.170-36, de 23 de agosto de 2001 (número da última reedição da Medida Provisória mencionada), contra dois votos que a indeferiram – Min. Cármem Lúcia e Min. Direito Menezes, estando atualmente o julgamento do pedido suspenso para retomada com quorum completo.
Vale colacionar a notícia veiculada recentemente no Informativo do Supremo Tribunal Federal nº 527:
“Cobrança de Juros Capitalizados - 2O Tribunal retomou julgamento de medida cautelar em ação direta ajuizada pelo Partido Liberal - PL, atual Partido da República - PR, em que se objetiva a declaração de inconstitucionalidade do art. 5º, caput, e parágrafo único da Medida Provisória 2.170-36/2001, que admitem, nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano - v. Informativo 262. A Min. Cármen Lúcia, em voto-vista, abriu divergência e indeferiu a cautelar. Considerou o fato de essa medida provisória ter sido expedida junto com outras medidas adotadas pelo Ministério da Fazenda, na época, exatamente na tentativa de recompor o sistema no que concernia especificamente à captação de juros. Levou em conta, ainda, o alongado prazo, desde a expedição dessa medida até hoje, com sua aplicação. Citando trechos da exposição de motivos apresentada pelo então Ministro da Fazenda, destacou a afirmação de ser pública a intenção do governo federal de buscar diminuição do spread e sua convergência com os padrões mundiais, de forma a incentivar o decréscimo do valor total da taxa de juros suportado pelas pessoas físicas e jurídicas, a fim de criar um panorama mais propício ao desenvolvimento econômico do Brasil. Acrescentou que, de acordo com essa exposição de motivos, a capitalização de juros, sob o ponto de vista econômico, seria benéfica ao devedor que, não podendo pagar ao credor na data originalmente pactuada, poderia renegociar sua dívida junto à mesma instituição financeira, o que não se daria se vedada a capitalização, pois o montante de juros devidos teria de ser imediatamente liquidado, forçando o devedor a captar recursos perante diversa instituição para adimplir com a primeira, situação que permitiria a ocorrência do chamado "anatocismo indireto". E, ainda, que o parágrafo único do art. 5º da MP tornaria obrigatória a transparência do negócio em favor do devedor, garantindo a lisura das operações e minimizando as dificuldades dos cidadãos na compreensão dos cálculos aplicáveis aos contratos. ADI 2316 MC/DF, rel. Min. Sydney Sanches, 5.11.2008. (ADI-2316) [g.n.]
Cobrança de Juros Capitalizados - 3Por sua vez, o Min. Marco Aurélio acompanhou o voto do relator para deferir a cautelar. Esclareceu, inicialmente, que a medida provisória sob análise teria sido apanhada com várias outras pela nova regência da matéria decorrente da EC 32/2001, a qual prevê, em seu art. 2º, que as medidas provisórias editadas em data anterior a da sua publicação continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional. Asseverou ser necessário interpretar teleologicamente esse dispositivo, presente a regência pretérita - em que as medidas provisórias estavam sujeitas à vigência de 30 dias - e a atual - em que as medidas provisórias vigem por 60 dias, podendo ser prorrogadas por igual período. Diante disso, entendeu, além da problemática alusiva à falta de urgência, ante o tema tratado, não ser possível haver uma interpretação que agasalhe a vigência indeterminada de uma medida provisória, e conceber que um ato precário e efêmero - que antes era editado para vigorar por apenas 30 dias, e, agora, por 60 dias, com prorrogação de prazo igual - persista no cenário normativo, sem a suspensão pelo Supremo, passados 8 anos. Após o voto do Min. Menezes Direito, que acompanhava o voto da Min. Cármen Lúcia, e do voto do Min. Carlos Britto, que acompanhava o voto do Min. Marco Aurélio, o julgamento foi suspenso para retomada com quorum completo.ADI 2316 MC/DF, rel. Min. Sydney Sanches, 5.11.2008. (ADI-2316)” [g.n.]
No TJDFT, em Argüição Incidental de Inconstitucionalidade instaurada pela Segunda Turma Cível, declarou-se a inconstitucionalidade incidenter tantum do art. 5º da Medida Provisória nº 2.170-36/2001, autorizadora da capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano, em razão de o artigo 192 da Lex Mater, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 40, exigir a edição de lei complementar para a regulamentação da matéria relativa ao Sistema Financeiro Nacional.
Perfilho, portanto, o posicionamento no sentido de que prevalece defesa a contagem de juros sobre juros, conforme preceitua o artigo 4º do Decreto nº 22.626/33, bem como a Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal. Eis ilustres arestos deste Egrégio, nesse sentido:
“CIVIL - CONTRATO BANCÁRIO - REVISÃO DE CLÁUSULAS - CAPITALIZAÇÃO COMPOSTA DE JUROS - INADMISSÍVEL - COMISSÃO DE PERMANÊNCIA - INACUMULATIVIDADE COM CORREÇÃO MONETÁRIA, JUROS REMUNERATÓRIOS E/OU MORATÓRIOS E MULTA. - Inadimissível a capitalização composta de juros, à míngua de lei material e previsão contratual expressa que autorize tal proceder.(‘omissis’)”
REVISÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. FINANCIAMENTO DE VEÍCULO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. AUSÊNCIA DE PRODUÇÃO DE PROVA TÉCNICA APTA A DEMONSTRAR SUA OCORRÊNCIA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA CONFIRMADA. RECURSO IMPROVIDO. UNÂNIME. - Exceto os casos previstos em lei, é inadmissível a capitalização mensal de juros, mesmo que pactuada: Súmula 121 do Col. STF. II - A cobrança de juros sobre juros deve ser demonstrada mediante prova técnica produzida para tal fim. Descurando-se o autor de comprovar fato constitutivo de seu direito, merece ser mantida a sentença de improcedência proferida na instância a quo.