"STF confirma validade de sistema de cotas em universidade
pública
Por
maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou nesta
quarta-feira (9) a constitucionalidade do sistema de cotas adotado pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A decisão foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE 597285), com repercussão
geral, em que um estudante questionava os critérios adotados pela
UFRGS para reserva de vagas. A universidade destina 30% das 160 vagas a
candidatos egressos de escola pública e a negros que também tenham estudado em
escolas públicas (sendo 15% para cada), além de 10 vagas para candidatos
indígenas.
De acordo com o estudante, o sistema não é razoável e traz um “sentimento
gritante de injustiça”. Ele informa que prestou o vestibular para o curso de
administração em 2008, primeiro ano da aplicação do sistema de cotas, e foi
classificado em 132º lugar. Segundo sua defesa, se o vestibular tivesse
ocorrido no ano anterior ele teria garantido vaga, mas no novo modelo concorreu
a apenas às 112 vagas restantes.
Relator
O relator do recurso, ministro Ricardo Lewandowski, votou pela
constitucionalidade do sistema por entender que os critérios adotados pela
UFRGS estão em conformidade com o que já decidido na ADPF 186, em que o
Plenário confirmou a constitucionalidade do sistema de cotas adotado pela
Universidade de Brasília (UnB).
Ele lembrou que na ocasião do julgamento da ADPF 186, o STF concluiu pela
constitucionalidade das políticas de ação afirmativa; da utilização dessas
políticas na seleção para o ingresso no ensino superior, especialmente nas
escolas públicas; do uso do critério étnico racial por essas políticas; da auto
identificação como método de seleção; e da modalidade de reserva de vagas ou de
estabelecimento de cotas.
“Não há nenhuma discrepância. Penso que cada universidade deve realmente ser
prestigiada no que concerne o estabelecimento desses critérios, sobretudo,
desta universidade que é uma das maiores e mais reconhecidas do país em termos
de excelência acadêmica”, destacou o ministro ao afirmar que a UFRGS
“certamente soube estabelecer critérios consentâneos com a realidade local”.
O último argumento levantado pelo estudante e também rechaçado pelo ministro
Lewandowski foi quanto à necessidade de lei formal que autorizasse a criação da
ação afirmativa de reserva de cotas.
Nesse sentido, ele observou que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei
9.394/96) deixou para as universidades o estabelecimento dos critérios que devem
ser utilizados na seleção dos estudantes, tendo em vista a repercussão desses
critérios sobre o ensino médio. O ministro destacou que a lei tem amparo no
artigo 207 da Constituição Federal que garante às universidades autonomia
didático-científica.
Para ele, cada universidade procura “atender as metas estabelecidas na
Constituição no que diz respeito ao atingimento de uma sociedade mais justa,
mais fraterna e mais solidária”.
Votos
A ministra Rosa Weber acompanhou o relator e votou pelo desprovimento do
Recurso Extraordinário (RE) 597285, sob o argumento de que o sistema de cotas
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul guarda “absoluta consonância” com
a Constituição Federal quando “estabelece como seu fundamento a dignidade da
pessoa humana e tem como objetivo fundamental a erradicação da pobreza, a
redução das desigualdades sociais e regionais, promovendo o bem de todos, sem
preconceitos de qualquer natureza”.
Segundo a ministra Rosa Weber, o edital do vestibular de 2008 da universidade
para o curso noturno de Administração, objeto do recurso extraordinário, previa
que haveria 112 vagas para acesso universal e 48 reservadas para alunos
egressos de escola pública, portanto todos os candidatos já sabiam quantas
vagas estavam em disputa.
Também acompanhando o voto do relator, o ministro Luiz Fux considerou que o
sistema de cotas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) é mais
adequado do que a adoção de cotas étnico-raciais. “É um dado empírico que os
alunos de escola pública e os afrodescendentes têm dificuldade de acesso às
universidades públicas”, apontou.
O ministro Joaquim Barbosa votou pelo desprovimento do recurso extraordinário,
justificando que os fatores raciais, sociais e econômicos se mesclam nessa
questão. “Não há como sustentar que, resolvida a questão racial, devemos
esquecer os aspectos econômicos e sociais”, sublinhou.
O ministro Gilmar Mendes votou pelo desprovimento do recurso extraordinário,
apontando que o sistema será reavaliado neste ano, mas fez ressalvas em relação
ao programa, apontando que algumas escolas públicas gaúchas, como as de
aplicação e as militares, podem ser mais “elitistas” que os colégios privados.
“Em geral no Brasil, estão nas escolas públicas as pessoas com menor poder
aquisitivo. No entanto, o critério de alunos oriundos de escola pública quando
aplicada em determinadas unidades da federação pode se revelar discriminatória.
Esse sistema pode estimular uma atitude arrivista de aproveitar o modelo para
facilitar o caminho a universidade, fugindo do concurso universal”, ressaltou o
ministro Gilmar Mendes, defendendo que a política da UFGRS merece uma
“meditação” depois de cinco anos de existência.
O ministro Celso de Mello seguiu na íntegra o voto do relator e, ao negar
provimento ao recurso, ressaltou que a adoção de mecanismos de compensação
fundados em políticas públicas e ações afirmativas têm por objetivo a promoção
de uma sociedade “justa, livre, fraterna e solidária” – prevista não apenas na
Constituição Federal, mas também em tratados e convenções internacionais dos
quais o Brasil é signatário, como a Convenção Internacional sobre a Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação Racial das Nações Unidas.
O objetivo de tais instrumentos, assinalou, é promover a igualdade no futuro,
“ainda que, no presente, pareçam criar desigualdades”. Para o ministro Celso de
Mello, há fundamentos normativos suficientes para legitimar a plenitude de
ações afirmativas – entre eles o princípio da autonomia das universidades.
O presidente do STF, ministro Ayres Britto, reafirmou os fundamentos adotados
no voto proferido na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)
186, relativa ao sistema de cotas raciais na Universidade de Brasília (UnB).
Depois de reiterar as diferenças entre cotas raciais e sociais, o ministro
Ayres Britto assinalou que, “quando há desigualdades factuais, que
desestabilizam a vida social, o direito cria desigualdades jurídicas, para
restabelecer o equilíbrio da sociedade”.
Ao negar provimento ao recurso, o ministro assinalou que a Constituição da
República prevê, no artigo 23, inciso X, que é dever do Estado “combater as
causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração
social dos setores desfavorecidos”. Neste sentido, concluiu, “nossa
Constituição é um atestado eloquente ao desumanismo dos preconceitos, ela é
humanista por excelência, e se qualifica como um documento civilizado no âmbito
das nações de economia desenvolvida e de democracia consolidada”.
Os ministros Dias Toffoli, Carmem Lúcia Antunes Rocha e Cezar Peluso também
acompanharam o relator.
Divergência
Único ministro a votar pelo provimento do recurso extraordinário, o ministro
Marco Aurélio avaliou que não vê motivo para haver cotas de acesso à
universidade para alunos oriundos de escola pública. “Uma coisa é a busca do
tratamento igualitário levando em conta a raça e o gênero. Outra coisa é fazer
uma distinção pela escola de origem”, sustentou.
Para o ministro Marco Aurélio, não é possível presumir que o ensino público não
viabiliza o acesso à universidade. “Dessa forma, estaremos censurando o próprio
estado, que mantém as escolas públicas”, pontuou. A seu ver, o critério
econômico não pode ser aventado no caso, pois não estudam em colégios públicos
apenas os “menos afortunados”."