SERVIDOR PÚBLICO. NORMA QUE DIMINUI DE O TETO PARA RECEBIMENTO DE VALORES DA FAZENDA PÚBLICA MUNICIPAL ATRAVÉS DE RPV.
Vários Municípios tem alterado o teto para recebimento de valores por RPV, mas cabe esclarecer qual o momento de incidência da norma que diminuiu o teto para possibilidade de recebimento de valores na Fazenda Pública através de RPV.
Ao meu ver, indispensável a análise da natureza jurídica da norma para averiguação posterior de sua incidência.
A requisição de pequeno valor foi inserida no ordenamento jurídico constitucional e está disciplinada nos §§ 3º ao 5º do art. 100 e art. 87 do ADCT, tendo por objetivo dar efetividade às decisões judiciais e permitir que os credores da Fazenda Pública possam receber créditos sem a necessidade do tão demorado precatório, quando estes representarem pequenos valores.
Nesse contexto, de forma provisória o legislador constitucional estabeleceu o que seria pequeno valor para efeito de requisição nas três esferas do poder público (União, sessenta salários mínimos, Estados, quarenta e Municípios, trinta - art. 87 ADCT) e permitiu, por delegação, que os Estados e Municípios editassem normas que definissem no âmbito de sua competência o que consideravam dívida de pequeno valor (§ 5º, art. 100 da CF).
Assim, na forma permitida pela Constituição Federal, o Município de Buritama legislou acerca da questão e, em 2015, elevou à apreciação na Câmara Municipal Projeto de ei , a qual estabeleceu que pequeno valor corresponde a R$ 5.000,00.
No que diz respeito a natureza jurídica da norma, há que esclarecer que a mesma possui natureza instrumental-material.
Não é pacífico o entendimento acerca da presente questão, haja vista que a doutrina e a jurisprudência divergem quanto a natureza jurídica da norma que estabelece o valor para requisição de pequeno valor. Há posicionamento acerca de sua natureza processual e sobre sua natureza material, ainda, sobre sua natureza processual-material.
Pois bem, no que diz respeito à competência legislativa, somente a União pode legislar sobre norma processual, portanto, se reconhecermos que a norma em análise tem natureza processual, teríamos então que reconhecer sua inconstitucionalidade. Destarte, havendo previsão expressa para que Estados e Municípios legislem sobre o que significa pequeno valor no âmbito de sua competência, temos, por interpretação lógico-sistemática, concluir que a norma em questão não tem natureza processual.
Por outro lado, o legislador municipal, ao definir o valor para a RPV em R$ 5.000,00, está, ao mesmo tempo, influindo na esfera patrimonial do credor e essa influência repercute no tipo de procedimento a ser adotado nos atos do processo executivo, logo, não há como discordar da natureza jurídica instrumental-material da norma, e desta forma, concluir-se que esta se aplica apenas aos processos que se originaram após a sua entrada em vigor.
Resta analisar se a norma se aplica às execuções que se iniciaram posteriormente a lei estadual em vigência oriundas de processos de conhecimento anteriores à lei, como no presente caso.
Com a reforma processual inserida pela Lei n. 11.232/2005, a execução de sentença civil condenatória que contenha uma obrigação, deixou de ser um processo autônomo e passou a ser apenas uma fase processual do processo de conhecimento, logo, o não adimplemento da obrigação no prazo de 15 dias, contados do trânsito em julgado, implica na aplicação de multa moratória de 10% e no cumprimento da sentença nos próprios autos, por simples petição.
No entanto, no que diz respeito às execuções contra a Fazenda Pública, não houve alteração no seu trâmite, e, proferida a sentença, será a devedora citada para opor embargos. Logo, havendo necessidade de petição inicial e citação, estaríamos, então, diante de um novo processo.
Contudo, entendemos que, apesar de possuir trâmite diferenciado, também nas execuções de titulo judicial contra a Fazenda Pública, a relação jurídica processual se forma com a ação de conhecimento para a busca do direito material.
Por esta razão, mesmo que reconheça a distinção do processo de execução, no caso, movida contra a Fazenda Pública, não podemos negar que a relação jurídica processual para busca do direito material violado já estava formada desde a citação no processo de conhecimento, portanto, apesar de formalmente ser um processo autônomo, substancialmente, ele também é apenas a continuação (fase) do processo que se originou sob a vigência do inc. I do art. 87 do ADCT.
Nesse sentido, ainda que a decisão ainda não tenha transitado em julgado quando entrou em vigor a nova lei, o fato é que a parte já tinha a expectativa de que, na eventualidade de uma execução, receberia o montante através de RPV.
O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em casos similares, proferiu acórdãos neste sentido. Vejamos:
EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO MUNICIPAL. EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. REQUISIÇÃO DE PEQUENO VALOR. LEI MUNICIPAL FIXANDO A RPV. EDIÇÃO APÓS O AJUIZAMENTO DA AÇÃO. INAPLICABILIDADE. Não há que se cogitar da aplicação da Lei Municipal n.9.320/2007 aos processos ajuizados anteriormente à edição dessa lei. Somente a norma de natureza processual tem aplicação imediata aos processos em andamento. A norma que fixa o valor da RPV tem natureza material tendo reflexo, inclusive, sobre direitos subjetivos do cidadão detentor de crédito representado por título executivo judicial. (Rel. Des. MARIA ELZA, 18/10/2007, 1.0024.00.071992-2)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA MUNICIPAL. REQUISIÇÃO DE PEQUENO VALOR. LIMITE DE 30 SALÁRIOS MÍNIMOS. INTELIGÊNCIA DO ART. 100, § 3º, DA CF/88 C/C ART. 87, II, DO ADCT,CF/88. LEGISLAÇÃO MUNICIPAL QUE FIXA RPV EM VALOR INFERIOR. INAPLICABILIDADE. NEGAR PROVIMENTO. 1. Tendo a ação sido ajuizada antes da edição de lei municipal, que definiu o limite para requisições de pequeno valor, deve ser observado o fixado no art. 87, inciso II, do ADCT da Constituição da República, na redação dada pela EC n. 37/2002, que definiu como sendo de 30 salários mínimos o limite do pequeno valor.
2. Nega-se provimento (TJMG, 4. Câmara Cível, AI. 1.0024.01.549421-4/001, rel. Desembargador Célio César Paduani, julgado em 19/4/2007, DJ 26/4/2007).
Ademais, não podem deixar de ser observados os princípios da segurança jurídica e razoável duração do processo, consagrados no art. 5º, XXXVI e LXXVIII, daConstituição Federal, aplicáveis a qualquer lei em qualquer caso, verse ele sobre lei infraconstitucional, de direito material ou processual.
Assim, eventual Lei para alterar o valor para recebimento por RPV apenas pode ser aplicada em processo ajuizados posteriormente à sua edição.
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