FIES SEM PRÉVIA PARTICIPAÇÃO NO ENEM
Dúvida do estudante para o blog: É possível conseguir fies para cursar medicina sem ser pela nota do
Enem?
A Lei de Regência do FIES (Lei
10.260/01), em seu artigo 3º diz que a gestão do FIES caberá ao MEC, na
qualidade de formulador da política de oferta de vagas e de seleção de
estudantes. Mas, vale o registro de que não é permitido ao MEC legislar através
de malsinadas portarias que não podem ser interpretadas com força legislativa
superior a Lei de Regência que nada dispõe sobre a prévia participação no ENEM
como critério para participação e seleção no process seletivo do FIES. Veja o
que diz o objurgado artigo 3º da Lei 10.260/01:
Como se vê a legislação de regência
nada dispõe acerca da competência legislativa do MEC para legislar sobre os critérios de participação no FIES. Desta forma, "os atos de mera regulamentação não podem, a pretexto de estabelecerem normas complementares da lei, criar restrições aos direitos dos estudantes, pois, do contrário, haveria flagrante ofensa ao princípio da legalidade que prevê que "ninguém será obrigado a fazer o deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". E, uma malsinada portaria ministerial não é lei, nem obriga as partes.
A Justiça de Brasília já se pronunciou sobre a proibição de se legislar através de uma portaria ministerial. Confiram o entendimento sacramentado:
"Desta
forma, os atos de mera regulamentação não podem, a pretexto de estabelecerem
normas de complementação da lei, criar restrições aos direitos dos indivíduos,
pois, do contrário, haveria flagrante ofensa ao princípio da legalidade que
prevê que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão
em virtude de lei”....
Diante do
exposto, DEFIRO o pedido liminar
para suspender, em relação à autora, a vedação contida no art. 8º, I, da
Portaria nº 8 do Ministério da Educação, de 2/07/2015.
Intime-se
para imediato cumprimento. Cite-se.
Publique-se.
Brasília
/ DF.
FREDERICO BOTELHO DE BARROS VIANA
Juiz
Federal Substituto da 4ª Vara/DF”
Entretanto, diz o edital nº 53, de 6
de julho de 2018, a respeito do processo seletivo para o segundo semestre de
2018, in verbis:
1. DAS INSCRIÇÕES
1.1. As inscrições dos CANDIDATOS interessados em participar do processo
seletivo do Fundo de Financiamento Estudantil - Fies e do Programa de
Financiamento Estudantil - P-Fies referente ao segundo semestre de 2018 serão
efetuadas, exclusivamente pela internet, por meio do Sistema de Seleção do Fies
- FiesSeleção, no endereço eletrônico http://fiesselecao.mec.gov.br.
1.1.1. O FiesSeleção ficará disponível para inscrição dos CANDIDATOS no período
de 16 de julho de 2018 até as 23 horas e 59 minutos do dia 22 de julho de 2018,
observado o horário oficial de Brasília-DF.
1.1.2. Somente poderá se inscrever no processo seletivo do Fies e do P-Fies
referente ao segundo semestre de 2018 o CANDIDATO que, cumulativamente, atenda
as seguintes condições:
I - tenha participado do Exame Nacional do Ensino Médio - Enem a partir da
edição de 2010 e obtido média aritmética das notas nas provas igual ou superior
a 450 (quatrocentos e cinquenta) pontos e nota na redação superior a 0 (zero);
II - possua renda familiar mensal bruta per capita de:
a) até 3 (três) salários mínimos, na modalidade de financiamento do Fies, nos
termos do art. 5º-C da Lei nº 10.260, de 2001; e
b) até 5 (cinco) salários mínimos, na modalidade de financiamento do P-Fies,
nos termos dos arts. 15-D a 15-M da Lei nº 10.260, de 2001.
Assim, segundo as malsinadas portarias
editadas pelo MEC, somente poderá se inscrever no processo seletivo do FIES
estudantes que tenha participado do ENEM a partir de 2010, e com média
aritmética das notas nas provas igual ou superior a 450 pontos.
A classificação para obtenção das vagas
passa por rigoroso processo de análise do desempenho nas edições do ENEM,
levando em conta a nota de Corte estipulada pela IES (instituição de ensino) de
escolha do estudante. Confirma, in verbis:
2. DA CLASSIFICAÇÃO
2.1. Observada a modalidade de financiamento - Fies ou P-Fies - realizada e
confirmada no período de inscrição e os limites de vagas por grupo de
preferência e por curso/turno/local de oferta/IES, os CANDIDATOS serão classificados
na ordem decrescente de acordo com as notas obtidas no Enem, no grupo de
preferência para o qual se inscreveram, atendida a prioridade indicada dentre
as 3 (três) opções de curso/turno/local de oferta/IES escolhidas, observada a
seguinte sequência consoante o disposto no § 6º do art. 1º da Lei nº 10.260, de
2001:
I - CANDIDATOS que não tenham concluído o ensino superior e não tenham sido
beneficiados pelo financiamento estudantil;
II - CANDIDATOS que não tenham concluído o ensino superior, já tenham sido
beneficiados pelo financiamento estudantil e o tenham quitado;
III - CANDIDATOS que já tenham concluído o ensino superior e não tenham sido
beneficiados pelo financiamento estudantil; e
IV - CANDIDATOS que já tenham concluído o ensino superior e tenham sido
beneficiados pelo financiamento estudantil e o tenham quitado;
Entrementes, não consta da lei de
regência qualquer previsão no sentido da prévia participação no ENEM para fins
de inscrição no processo seletivo do FIES, sendo forçoso concluir que as
malsinadas portarias editadas pelo MEC a esse respeito carecem de respaldo
legislativo suficiente para elidir a previsão da lei de regência que não indica
o ENEM como critério de seleção.
A própria Lei de Regência do FIES em
seu artigo 5º prescreve os requisitos objetivos e subjetivos para participação
no processo seletivo do financiamento público estudantil.
“Art. 5º Os financiamentos
concedidos com recursos do FIES deverão observar o seguinte:
I – prazo: não poderá ser superior à
duração regular do curso, abrangendo todo o período em que o Fies custear os
encargos educacionais a que se refere o art. 4o desta Lei, inclusive o
período de suspensão temporária, ressalvado o disposto no § 3o deste artigo; (Redação dada pela Lei nº 11.552, de 2007).
IV –
carência: de 18 (dezoito) meses contados a partir do mês imediatamente
subsequente ao da conclusão do curso, mantido o pagamento dos juros nos termos
do § 1o deste artigo; (Redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009)
VIII - possibilidade de utilização pelo estudante do Fundo de que trata
o inciso III do art. 7o da Lei no 12.087, de 11 de novembro de 2009,
cabendo ao Ministério da Educação dispor sobre as condições de sua ocorrência
de forma exclusiva ou concomitante com as garantias previstas no inciso
III. (Incluído pela Lei nº 12.873, de 2013)
§ 1º Ao longo do período de
utilização do financiamento, inclusive no período de carência, o estudante
financiado fica obrigado a pagar os juros incidentes sobre o financiamento, na
forma regulamentada pelo agente operador. (Redação dada pela Lei nº 12.202, de 2010)
§ 2º É facultado ao estudante
financiado, a qualquer tempo, realizar amortizações extraordinárias ou a
liquidação do saldo devedor, dispensada a cobrança de juros sobre as parcelas
vincendas. (Redação dada pela Lei nº 11.552, de 2007).
§ 3º Excepcionalmente, por
iniciativa do estudante, a instituição de ensino à qual esteja vinculado poderá
dilatar em até um ano o prazo de utilização de que trata o inciso I
do caput, hipótese na qual as condições de amortização permanecerão aquelas
definidas no inciso V também do caput. (Redação dada pela Lei nº 12.202, de 2010)
§ 4º Na hipótese de verificação de
inadimplência do estudante com o pagamento dos juros de que trata o § 1º deste
artigo ou de inidoneidade cadastral do(s) fiador(es) após a
assinatura do contrato, ficará sobrestado o aditamento do financiamento até a
comprovação da restauração da adimplência do estudante ou da idoneidade ou a
substituição do fiador inidôneo, respeitado o prazo de suspensão temporária do
contrato. (Redação dada pela Lei nº 13.366, de 2016).
§ 7º (REVOGADO) (Redação
dada pela Lei nº 13.530, de 2017)
§ 10. A redução dos juros,
estipulados na forma estabelecida do inciso II do caput deste artigo, ocorrida
anteriormente à data de publicação da Medida Provisória nº 785, de 6 de
julho de 2017, incidirá sobre o saldo devedor dos contratos já
formalizados. (Redação dada pela Lei nº 13.530, de 2017)
§ 11. A utilização exclusiva do
Fundo de que trata o inciso VIII do caput para garantir operações de
crédito no âmbito do Fies dispensa o estudante de oferecer as garantias
previstas no § 9º deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 12.873, de 2013)”
Conforme se vê, no ponto, a Portaria
Ministerial impõe restrições que não constam da Lei de Regência do FIES. Assim, não há dúvidas de que a Lei de Regência do FIES (Lei 10260/01) deve prevalecer sobre a portaria por ser norma de hierarquia superior.
Assim, é muito importante frisar que a
exegese que nega o direito ao FIES ao Estudante conforme rendimento no ENEM, com todo o respeito, vai à contramão da
filosofia do programa social. A ideologia do programa social é maximizar as
inclusões. Quanto mais estudantes no terceiro grau, é melhor para o
programa social, pois, os contratos gerados fomentam a relação de continuidade
do programa social, tendo em vista que os encargos cobrados são utilizados para
possibilitar que sejam gerados novos contratos.
De acordo com a hierarquia das normas,
não poderia uma Portaria veicular uma condição restritiva de fruição de direito
constitucionalmente previsto. Assim, acaso a Lei de Regência (Lei 10.260/01)
contivesse essa proibição objurgada, se revela inconstitucional. Mas, a Lei de
Regência não contem essa previsão. Essa condição está posta por uma Portaria
que, por mais reverenciada que seja, por mais louvada que possa ser, é uma
norma administrativa de hierarquia subalterna ou inferior, que não pode inovar
a ordem jurídica, restringindo direitos.
Outrossim, visando extirpar no ninho
alegações porventura expedidas no sentido de
que a concessão do FIES sem prévia participação no ENEM poderá aumentar o número de inscritos e lhe causar prejuízos e/ou desequilíbrio
financeiros, cabe advogar que os financiamentos – FIES, contam com receitas
próprias e provisionadas exclusivamente para saldar dívidas oriundas dos
contratos, pois, é certo que os recursos a serem encaminhados às instituições
provêm de dotações orçamentárias do MEC, mormente derivados de concursos de
prognósticos administrados pela Caixa Econômica Federal (loterias), e demais
formas de custeio previstas no art. 2º daquela lei.
A propósito confiram o que dispõe a Lei
de regência do FIES (Lei 10.260/2001). In verbis:
“Art. 2º Constituem receitas do FIES:
I - dotações orçamentárias consignadas ao MEC,
ressalvado o disposto no art. 16;
II - trinta por cento da renda
líquida dos concursos de prognósticos administrados pela Caixa Econômica
Federal, bem como a totalidade dos recursos de premiação não procurados pelos
contemplados dentro do prazo de prescrição, ressalvado o disposto no art. 16;
III - encargos e sanções contratualmente
cobrados nos financiamentos concedidos ao amparo desta Lei;
IV - taxas e emolumentos
cobrados dos participantes dos processos de seleção para o financiamento;
V - encargos e sanções contratualmente
cobrados nos financiamentos concedidos no âmbito do Programa de Crédito
Educativo, de que trata a Lei no 8.436, de 25 de junho de 1992, ressalvado
o disposto no art. 16;
VI - rendimento de aplicações financeiras sobre
suas disponibilidades; e
VII - receitas patrimoniais.
O ato impugnado (PORTARIA NORMATIVA
PUBLICADA PELO MEC), a despeito de guardar a forma de Portaria Ministerial,
atingiu a esfera jurídica da autora como se ato concreto fosse, eis que
a impede contratar o financiamento estudantil almejado para permanência no
ensino superior tal como preconiza o texto constitucional, artigo 23, V, 205 e,
209, todos da CF/88.
Daí a total incompatibilidade da
portaria ministerial do MEC com o programa social idealizado a partir do
princípio esculpido no texto constitucional que garante o direito à educação
(artigo 205, CF/88), em igualdade de condições, segundo a capacidade intelectual
de cada um, como forma de desenvolvimento da pessoa e qualificação para o
trabalho (artigo 23, V, 193, 206, 208, todos da CF/88), pois, limita o acesso
ao FIES, mormente para Estudantes concorrentes ao financiamento público para
custeio do curso de Medicina quando diante da realidade atual do país que
faltam profissionais nas áreas públicas de saúde (distribuição de
médicos/habitantes).
Portanto, conforme exposto, não há
outro caminho senão afastar na Justiça o critério que estipula o ENEM como filtro de acesso ao FIES, e, com
isso, garantir a permanência no curso superior mediante acesso ao FIES, direito
de todos, conforme cursos beneficiados, sob pena de violação frontal aos
princípios consagrados no texto constitucional, notadamente o que consagra o
direito à Educação a todo cidadão brasileiro conforme sua capacidade
intelectual e em igualdade de condições, bem como aquele que veda o retrocesso
social.
Tal princípio que veda o retrocesso social do qual não se indica a fonte que deveria ser de origem divina e não jurídica, como condição de progresso da humanidade que de fato é incompatível com o retrocesso.
Na França, esta modalidade de financiamento da educação se denominava prêt d´honneur (empréstimo de honra). O aluno e sua família se obrigavam (sob a honra) a reembolsar o Estado parceladamente algum prazo após a formatura. Empenhada a honra não havia necessidade de fiança. O nosso Executivo achou que é um pouco cedo na nossa evolução cultural para dispensar a fiança. Questão de bom senso. Embora se saiba que na França funcionou o sistema de honra.
Entendo que no Brasil o sistema não está suficientemente amadurecido para dispensar fianças no financiamento da educação, contudo, considerando haver a presença de fiadores para garantia, presença do Fundo Garantidor como substituição da garantia pessoal, não entendemos qual a razão para vincular o acesso ao financiamento público ao ENEM.
E-mail: advocaciasaulorodrigues@gmail.com
Tel 61 3717 0834
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