Assim, os cálculos não deixam dúvidas acerca da ilegalidade praticada nos contratos de financiamento estudantil celebrados entre 1999 até 2017, em razão da cobrança de juros em periodicidade mensal.
# O QUE É A CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS ?
Os efeitos da capitalização de juros nas operações de crédito não são bem compreendidas pelos estudantes, tampouco devidamente explicados pelos operadores do mercado financeiro - agente financeiro operador dos contratos de financiamento estudantil, visto que, exige acurada análise contábil acerca da qual me permito discorrer.
De início, faz-se necessário esclarecer que a prática de capitalização de juros - prática usual nas operações de matemática financeira - consiste na contagem de juros ao capital.
O termo "capitalizar" - per si - consiste na adoção de juros ao capital, podendo ocorrer em qualquer periodicidade (mensal, bienal, trimestral, semestral, anual, etc). Desta feita, o simples recebimento dos juros pelo credor implica capitalização.
O que é ilegal, conquanto, é a prática do anatocismo (cobrança de juros sobre juros). Assim, perceba que a periodicidade dos juros em contrato de financiamento estudantil deve ser anual, ou mesmo ao final do período de estudos.Isto porque, a periodicidade dos juros indica a contraprestação dos encargos. Veja que no caso de capitalização mensal dos juros no saldo devedor, a contraprestação a título de juros é maior do que na anual.
Ocorre que as instituições financeiras fazem uso da capitalização mensal de juros no saldo devedor, aproveitando do desconhecimento dos estudantes acerca da metodologia de cálculo impressa nos contratos assinados às cegas pelos estudantes, fazendo com que a remuneração pelo capital emprestado seja muito maior do que deveria ser. Uma verdadeira afronta ao princípio norteador do programa social, artigo 205 da Constituição Federal de 1988.
Nesse contexto, cabe, ainda, distinguir juros simples de juros compostos.
# O QUE É JUROS SIMPLES e JUROS COMPOSTOS ?
Os primeiros incidem, apenas, sobre o principal corrigido monetariamente, isto é, não incidem sobre os juros acrescidos ao saldo devedor. Logo, os juros não pagos não constituem base de cálculo para incidência posterior de novos juros simples.
Quanto aos segundos, incidem não, apenas, sobre o principal corrigido monetariamente, mas também sobre juros que já incidiram sobre o débito. Assim, o juro vencido e não pago é somado ao capital emprestado, formando montante sobre o qual se calculo juro seguinte.
Nessa seara financeira, a chamada "capitalização" deve ocorrer na periodicidade considerada lícita. Caso contrário, ter-se-á contagem de juros sobre juros, o que significa cobrá-los antes que se tornem juros vencidos. Eis o conceito de anatocismo.
Vedada, portanto, a contagem de juros dos juros antes da periodicidade de capitalização legalmente admitida, ou seja, cobrar juros sobre parcela de juros que ainda não se venceu. Em conseqüência, tais juros não foram incorporados ao capital.
Assim a prática ilícita é que evidencia a contagem de juros sobre juros não vencidos. De mais a mais, o fato de se tratar de juros simples ou compostos, por si só , não leva, necessariamente, à ilação de que houve anatocismo, embora os juros compostos onerem mais o estudante.
A praxe jurídica acabou, todavia, mesclando os dois conceitos, mormente, em decorrência da Súmula 121 do STF.
Ainda no ordenamento jurídico pátrio, os juros devem obedecer os ditames da Lei de Usura, Decreto 22.626/33, artigo 4º.
A finalidade da norma concentra-se na repreensão ao anatocismo.
Mister tornar claro que o anatocismo somente é permitido em casos de lei específica, como na cédula rural, comercial ou industrial.
# A MÁGICA DOS NÚMEROS EM RAZÃO DA APLICAÇÃO DA TABELA PRICE COMO SISTEMA DE AMORTIZAÇÃO DO SALDO DEVEDOR DO FIES
A objurgada cláusula nona prescreve que o saldo devedor será amortizado mediante a utilização da Tabela Price, no ponto, verbis:
“CLÁUSULA NONA – DO SALDO DEVEDOR
...
PARÁGRAFO SEXTO: Na fase de amortização do financiamento, o saldo devedor será parcelado em prestações mensais e sucessivas, calculadas segundo o sistema Francês de Amortização – Tabela Price.
...
PARÁGRAFO SÉTIMO: O valor da prestação a ser paga na fase de Amortização será calculado mediante a aplicação da seguinte fórmula, observado o estabelecido no art. 5º, inciso V, da Lei nº 10.260 de 2001.
P= Sd x [i(1+i)n ] / [(1+i)n -1]
P= Prestação
Sd= Saldo devedor
i= taxa de juros, efetiva a.m (ao mês)
n= prazo remanescente em meses do financiamento
Para demonstração de ilegalidade ou não da Tabela Price, faz-se a seguir um comparativo entre o cálculo de juros simples ou lineares e o cálculo dos juros pela referida Tabela Price.
Primeiro se faz um comparativo com exemplos simplificados entre cálculos de 06 e de 12 meses de prazo (Situações 'A' e 'B' adiante), para facilitar o entendimento e, depois, se compara com o caso concreto do contrato em debate nos autos.
Situação A: Juros de 10% ao mês e prazo de 06 meses:
Cálculo de juros simples ou lineares: 10% x 6 meses = 60% de juros totais em 6 meses. Cálculo pelo Sistema Price (1+ 10%)6 = (1,10)6 = 1,7715 - 1 = 0,7715 x 100 = 77,15% de juros totais nos mesmos 06 meses.
Conclusão: pelo Sistema Price não se está pagando 10% ao mês, mas sim, na verdade, 12,85% ao mês, o que ocorre em face de a aludida Tabela já conter em sua sistemática de cálculo uma função exponencial que constitui uma progressão geométrica e gera na verdade a incidência de juros sobre juros.
Situação B: Juros de 10% ao mês e 12 meses de prazo:
Cálculo de juros simples ou lineares: 10% x 12 meses= 120% de juros totais em 12 meses.Cálculo pelo Sistema Price: (1 + 10%)12= (1,10)12 = 3,1384 - 1 = 2,1384 x 100 = 213,84% de juros totais em 12 meses.
Conclusão: pelo Sistema Price não se está pagando 10% ao mês, mas sim, na verdade, 17,82% ao mês, fato, como já referido na letra 'A', decorrente da função exponencial contida na fórmula da Tabela Price.
Note-se que os juros de 10% ao mês, aplicados pela Tabela Price, na realidade, são mais altos, e quanto maior o prazo, maior é a diferença entre a Tabela Price e os juros simples: 10% em 6 meses, a juros simples ou lineares, correspondem a 60%, enquanto que, pela Tabela Price, ascendem a 77,15% (uma diferença a maior de 17,15%).
Estendendo-se o prazo para 12 meses, tem-se 120% a juros simples ou lineares e 213,84% pelo Sistema Price (uma diferença a maior de 93,84%).
Essa situação mostra que, na verdade, o que é relevante não é propriamente a taxa de juros contratada (10%), mas sim o prazo, pois, quanto maior o prazo, maior será a quantidade de vezes que os juros se multiplicarão por eles mesmos {(10%)6.(10%)12}, o que demonstra e configura o anatocismo como traço inerente e imanente à Tabela Price e aos cálculos perpetrados pela instituição financeira.